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Blaise Cendras un moderniste au Brésil


“O fato de viver já é uma verdadeira felicidade”

Blaise Cendrars, pseudônimo de Frédéric Sauser, nasceu em La Chaux-de-Fonds, na Suíça. Aos dezesseis anos, fugiu de casa. Perambula pela Alemanha, onde encontra o comerciante Ragovine e se torna seu empregado. “Nessa época eu já estava em minha adolescência… e parti de novo para acompanhar o viajante vendedor de bijuterias que se dirigia a Kharbine. Tínhamos dois vagões no expresso e trinta e quatro caixas de bijuterias de Pforzheim, mercadoria barata alemã Made in Germany“.

Para atravessar a Sibéria, Rogovine lhe comprou roupas e lhe deu um revólver niquelado. Foi dessas aventuras que nasceu o grande poema La Prose du Transsibérien.

Em Pequim, trabalhou no hotel da companhia ferroviária e alimentava a caldeira com os velhos números do Mercure de France, que lia vorazmente antes de queimar.

Foi pescador de baleias por amor à filha do “rei norueguês da baleia”, uma “nórdica de tipo sombrio”. As baleias lhe inspiraram Dan Yack.

Passava dias na biblioteca Mazarine em Paris copiando a mão romances de cavalaria para Guillaume Apollinaire, que o fazia para Pierre-Paul Plan, que por sua vez o fazia para o editor Payot. Cendrars recebia cem francos por obra copiada. Vagou pelas estradas numa carroça de ciganos e, mais tarde, num extraordinário Alfa-Romeo cuja carroceria fora desenhada por Braque, desceu a Nationale 10 que, segundo ele, levava muito mais longe que a Biarritz, para a Espanha, Portugal e, do outro lado do oceano, até a Terra do Fogo. Fica amigo de Manolo Seca, frentista do mais distante posto do fim do mundo, o Brasil.

Era abril de 1912. Ele tinha perambulado o dia inteiro pelas ruas de Nova Iorque. Estava faminto e alucinado. Passou diante de uma igreja, onde um cartaz anunciava A Criação, de Haydn. Estava nevando. Nesta noite, em seu quarto, diante de um pedaço de pão, ele escreve o imortal Les Pâques à New York.

Em 1914, se engajou na Legião Estrangeira e voltou sem um braço da guerra, de onde o título da coletânea de escritos La Main Coupée.

Havia nele uma mistura única de aventureiro e de rato de biblioteca. Parecia ter lido tudo. Segundo ele, antes de escrever um livro fazia a lista das palavras que esperava utilizar. Três mil palavras para L’Homme Foudroyé. Conforme ele também afirmou, teria destruído manuscritos inéditos, outros escondidos em bancos na América do Sul, não sabia mais onde, e que compunha poemas só para ele mesmo, poemas que nem chegava a anotar.

Cendrars fez sete visitas ao Brasil. Na primeira delas, em 1924, quando foi subvencionado pelo milionário e mecenas paulista Paulo Prado, permaneceu por nove meses. Travou contato com artistas modernistas em São Paulo, conheceu Donga e outros músicos populares no Rio de Janeiro, onde subiu sozinho uma favela, e passou a Semana Santa nas cidades históricas de Minas Gerais, ao lado de Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, na chamada “caravana modernista”.

Foi Cendrars quem despertou o interesse dos modernistas pela arte regional e tradicional barroca de Minas Gerais. E é a viagem com o escritor ao Rio de Janeiro, no Carnaval, que faz aflorar em Tarsila o gosto pelo popular, pela poesia das favelas e da gente humilde. Foi Cendrars, aliás, quem escreveu os textos do catálogo da primeira exposição de Tarsila em Paris, na Galerie Percier, em 1926. Tudo o encantava: a mestiçagem, as esculturas de Aleijadinho, as aventuras de Lampião. O Brasil nunca mais deixaria sua obra, estando presente nas poesias de Feuilles de Route, no fantástico personagem Coronel Bento de D’Oultremer à Indigo, no Febrônio de Magia Sexualis, e também no livro de memórias La Tour Eiffel sidérale.

“Feliz de poder romper com o comércio de manifestações parisienses, onde se confinava a poesia – dadaísmo, surrealismo –, agarrei a oportunidade pelos cabelos e parti o mais depressa possível”. Cendrars rompe com seu passado de esteta, e essa ruptura se reflete nesse verso: “Adieu Paris, Bonjour soleil”, que se traduz como “Adeus Paris, Bom dia Sol”.

“O fato de viver”, dizia ele, “já é uma verdadeira felicidade.” Mais que a lenda, resta de Blaise Cendrars uma obra, em prosa e poesia, cuja grandeza não pode ser negada: Les Pâques à New York, La Prose du Transsibérien, Le Panama, Dix-neuf Poèmes Élastiques, J’Ai Tué, LÓr, Moravagine, Les Confessions de Dan Yack, L’Homme Foudroyé, La Main Coupée, Bourlinguer, Emmène-moi au Bout du Monde. No fantástico social, no patético do homem que se busca nas viagens tendo por única bagagem a ternura pelos outros homens e na procura contínua de novas técnicas de escrita, Blaise Cendrars, aventureiro mesmo, celebra antes de tudo a aventura da vida.

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